segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

mudança

de uma sala vazia
a outra atravesso
portas e são tantas
chaves e frases
casas vazias sempre
ecoam lembranças
nas paredes manchas
ralos quebrados
vestigios de ratos
rachaduras amplas
as velhas plantas
uma historia cheia
tristes os quintais
pressentem quando
tranca a porteira.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

enchente

quando é que virá
uma avalanche
de dentro do mundo
a onda espessa
avassalando Vales
transbordando
as margens calmas
que teimavam
férteis na primavera
qual o volume
de lama que navega
na água turva
do mundo do lucro

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

solo de dentro

andamos certos de nossas existências
eretos e acoplados ao dia
as vestes
as horas
sem percebermos o gesto rude por trás
da habilidade
do caminhar
o equilíbio
não percebemos o estranhamento
dos corpos a cada interrupção
do silêncio longo da noite
duvidamos não sermos exato o que somos
o bicho por trás da cultura
além do sangue e da pele
além do grunhido gutural
além das casas, das classes,
além dos olhos onde repousa
o nascimento e a morte
tudo escrito nas palmas das mãos

sábado, 24 de outubro de 2015

borboletas

já se foi o tempo da poesia
ela me disse
eram tantos poemas pra ela
agora escreve
só atas com palavras prontas
que aprendera
no código correto dos verbos
sem ênfases
ou advérbios subjuntivos
lá se foram
anos e anos de palavra leve
como as asas
de um inseto multicolorido
lembro-me dela
abrindo portas trancadas
e suas pernas
chamando com versos para
entrar na vida dela

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

supetão

é muito informação
palavras piscando
trânsito tráfego aéreo
é contramão adiante
vãos congestionados
miseráveis e ideias
túneis alças viadutos
a cidade é tão cheia
ônibus medos válvulas
cobradores legistas
associações civis
excesso de contingência 
continências conveniências
prédios casas apartamentos
gente por aluguel
guindastes motéis 
mercadorias ambulantes
coquetéis 
agências painéis artes
museus a céu aberto
a cidade é selvagem
a condução passa tarde
aterros que ardem
a rua tem voz
loucura é não escutar
suas paredes
a cidade calada dá medo
avenidas travadas 
ladeiras apego 
varandas e madrugadas






sábado, 17 de outubro de 2015

cais

o corpo vivo diante
do mar
é sempre um cais
um lugar
pra partir ou ficar

pela pele

de quantas ficções
é feita a vida real
quantas camadas
tem este personagem
qual a linguagem
que cria a realidade
qual o golpe de vista
que esconde a verdade
qual o termo correto
o gesto
qual o processo
que gesta
a forma das coisas
a matéria da irrealidade
a etérea verdade
que os sonhos ressonam
em som e imagem

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

terráqueos

somos terrestres
extremamente
aquáticos ainda
procuramos 
água no universo
boiando no espaço
trepamos 
contra a gravidade
reproduzindo 
um eco de mil anos
somos pedestres
bípedes que nadam
no espaço sideral
estamos no aquário
terrários
somos planta
enraizada
linguagem não serve
pra nada

domingo, 20 de setembro de 2015

estreito

todo nacionalismo
tem o limite
de suas fronteiras

domingo, 5 de julho de 2015

onde pulsa o coração

o dia é uma placenta aberta
ao acaso reinventamos o outro
é renitente o erro
e inconstante o corpo

vive-se o presente
há uma dose de sonho

a praça velha é um caminho
poemas são sempre encontros
olhos rimam risos
pele e sangue dançam

sábado, 13 de junho de 2015

silêncio do mundo

no sul do mundo
(e também ao norte)
está frio
o clima é pesado
apesar das lutas quentes
o gélido bafo da crise
avizinha-se
infecta
escorrem lágrimas frias
de olhos vermelhos
no sul do mundo
um silêncio
de noite de pesadelo

quarta-feira, 20 de maio de 2015

continua indo

o rio de janeiro são milhares
de poetas desconhecidos
vagando sozinhos por lugares
são moleques empilhados
e milhares de gavetas vazias
nos cemitérios aguardando
por moleques e poetas solitários
são centenas de otários
malandros práticos com fardas
fuziz e granadas
ajustando as gravatas de magnatas
o rio de janeiro são milhares
de favelas muito além das novelas
são as lutas do povo negro
engenhos de guerra, quilombos
são novecentos mil manos
contra um exercito extra-terrestre

arte irrelevante

não há relevância nenhuma
na arte que eu traço
não relevo críticas nem faço
gracejos com frases
a arte que eu caço é pretexto
geografia sensível
minha rima é o desprezo
é dispêndio de tempo
não tem valor de troca ou uso
é templo do desapego
tem poesia ruim, tela rasgada,
enquadre fora do prumo,
eixos de vesgos, cortes bruscos
conjugações erradas
vírgulas pontos entre parênteses
meus planos são obtusos
minha arte vai durar pra sempre

sexta-feira, 17 de abril de 2015

sal nas veias

a vida pulsa
sempre
este envolvimento
emocional inevitável
um caldo quente
onde estamos imersos
muito acima do pescoço
bem mais fundo que o poço

segunda-feira, 13 de abril de 2015

segunda treze

as minhas veias
estão abertas junto
as de todo o continente
os poetas trabalham calados
apagou-se algo
há um silêncio momentâneo
é o dia seguinte ao arroto
da ressaca de domingo
há idiotas nas praças
segunda feira
um desespero ronda
há calma antes da tempestade
terça, as feiras vazias
quiçá quarta feira rompa

quarta-feira, 8 de abril de 2015

maia

uma cã de sal
parceira imortal
me acompanhará
desde o litoral
até o mar levar

pedras

um amuleto verdadeiro
me defende
do medo de mim mesmo

segunda-feira, 30 de março de 2015

costas

talvez nós moremos
em salvador
talvez nos matemos
no arpoador
e então morreremos
seja onde for
não sobreviveremos
ao pouco amor
este instinto materno
devastador
faz abrir o caderno
anotador
lembrar que nascemos
sentindo dor
numa onda do mar de
pearl harbor
surfam moças bonitas
netas de avôs
baías, angras, barras,
nosso senhor
talvez nos salvemos


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

greve geral

nestes dias sul
cronicamente
inviáveis
andar na rua
sem roupa
nestes dias sul
invariavelmente
críticos
sextas sábados
e domingos
pobres pedindo
nas feiras
chepas, esperas,
farpas
nestes dias sul
escancaradamente
improváveis
nos julgamos
capazes
de renovar nosso
ânimo

para ná

enquanto servia mesas
as massas espessas
encurralaram o rei às
portas do palácio

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

pra nunca

porque não existe mais nada
vivo além da falta,
lembrança vazia é porquê
não sobraram projetos,
possibilidades, quem sabe
uma viagem, uma meia
a ser devolvida, motivos
pra uma tarde a toa,
uma manhã, contemplar garoas
chuvas a cair, luares,
sorrisos, delícias.
porque não existe mais
nada mais nos falta,
só a vontade incompleta,
a frustrada expectativa,
tantas palavras soltas, energia,
orgasmos, olhares charmosos,
pra um passeio futuro.

corte tenso

dois corpos tensos,
a massa de vidro
sólida, configurada.
folha transparente,
vidrada.

os dois corpos tensos
suportam-na tesa,
lisa no ar, carregam.
a folha de vidro tensa,
estilhaça.

os dois corpos tremem,
os cacos de vidro
trincam, crispam e caem.
esparrama-se o corte,
sangram.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

desapegado

a sexta feira treze
nem vi passar
dia todo a trabalhar

sábado, 7 de fevereiro de 2015

conta gotas

o que pra gente
é tanto, no prato,
na lagoa é pouco,
centavos.

mas de pouco em
pouco, assim como
frango enche o papo,
 esvazia o lago.

cada gota, segundo
de torneira aberta
vaza pelo cano
o raloduto tucano.

nosso esforço diário,
o trem, a rua, o aço,
o braço humano,
esvae, escorre,
evapora.

a chuva não cai
em lugar qualquer
território sitiado
ela só cai quando
água e força há.

o povo não sai
quando quer,
só quando juntar
forças pra destruir
o que lhe subtrai.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

o mar

a mar sempre mexe
bate onda
volta e vem e volta
onda rola
o mar sempre geme
onda bate
vem e volta e vem
odoiá o mar
assovia vento vem

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

museu

imerso em filmes
em rolos
sonhos
fotografias
histórias
sou um museu de mim

vivo em memórias
meus amigos
lugares
palavras
sons
vida-pensamento

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

auto nomia

não se fie na sorte
de seu patrão
prepare teu futuro
outubros virão.